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Modelo para a Educação Especial

Kenyon

 

ANÁLISE DO COMPORTAMENTO APLICADA

Análise Comportamental Aplicada (ABA1) – Um Modelo para a Educação Especial

Paula Braga-Kenyon, M.S., Shawn E. Kenyon, M.A.

Spectrum Center for Educational and Behavioral Development, EUA

&

Caio F. Miguel, M.A.

Western Michigan University, EUA

Capítulo publicado no livro

Transtornos Invasivos do Desenvolvimento: 3o. Milênio (pp. 148-154)

Organizador: Walter Camargos Jr.

Ministério da Justiça

Departamento de Promoção dos Direitos Humanos

Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência – CORDE

1 Applied Behavior Analysis

2

Análise Comportamental Aplicada e Educação Especial:

A origem da Análise do Comportamento nos remete a cientistas e filósofos que

influenciaram o pensamento do maior colaborador da área, B. F. Skinner (1904 – 1990).

Segundo Michael (1993), a Análise do Comportamento não se restringe a B. F. Skinner,

entretanto seu repertório intelectual teve um papel importante no desenvolvimento da área.

Em 1938 os conceitos básicos que ainda hoje fazem parte da Análise do Comportamento

foram apresentados através da publicação do livro O Comportamento dos Organismos. Em

1950, a publicação do livro Princípios da Psicologia (Keller and Schoenfeld, 1950) veio

acrescentar dados obtidos em laboratório, aos métodos, conceitos e princípios apresentados

por Skinner em 1938.

Entre os eventos que geraram a formação da Análise Comportamental Aplicada

encontra-se a publicação do livro Ciência e Comportamento Humano (Skinner, 1988/1953).

A partir desse específico momento, os leitores foram capazes de identificar a vasta aplicação

dos princípios do comportamento, e de lidar de modo competente com quase qualquer aspecto

do comportamento humano. No final dos anos 50, o aumento no número de pesquisas

realizadas na área de educação especial e comportamento delinqüente, contribuiu para a

criação do Journal of Applied Behavior Analysis (JABA) em 1968. A criação dessa revista foi

especialmente importante porque veio a publicar pesquisas relevantes na área da Análise

Comportamental Aplicada.

A Análise Comportamental Aplicada utiliza-se de métodos baseados em princípios

científicos do comportamento para construir repertórios socialmente relevantes e reduzir

repertórios problemáticos (Cooper, Heron, & Heward, 1989). Freqüentemente, a população

indicada para receber serviços oferecidos pela educação especial apresenta repertórios

“falhos”, ou seja, apresentam uma ausência de comportamentos relevantes, sejam eles sociais

(tais como contato visual, habilidade de manter uma conversa, verbalizações espontâneas),

acadêmicos (pré-requisitos para leitura, escrita, matemática), ou de atividades da vida diária

(habilidade de manter a higiene pessoal, de utilizar o banheiro). Ainda, essa mesma população

apresenta alguns comportamentos em “excesso”, ou seja, emitem comportamentos tais como

agressões, estereotipia, autolesões, agressões verbais, fugas. A Análise Comportamental

Aplicada oferece, portanto, ferramentas valiosas para a educação especial.

A partir do reconhecimento da importância da Análise Comportamental Aplicada

surgiram muitas escolas que seguem seus princípios básicos: ensino de unidades mínimas

passíveis de registro, ensino de habilidades simples e complexas em pequenos passos, uso de

reforçamento positivo, ênfase na importância da consistência entre as pessoas que têm contato

com o aluno, relevância da função do comportamento emitido, etc. Cada nova habilidade é

ensinada (geralmente em uma situação de um aluno com um professor) via a apresentação de

uma instrução ou dica, e às vezes o professor auxilia a criança, seguindo uma hierarquia de

ajuda pré-estabelecida. As respostas corretas são seguidas por conseqüências que no passado

serviram de conseqüências reforçadoras, ou seja, consequências que aumentaram a frequência

do comportamento. É muito importante fazer com que o aprender em si torne-se gostoso

(reforçador). As respostas problemáticas (tais como agressões, destruições do ambiente,

autolesão, respostas estereotipadas, etc.) não são reforçadas, o que exige uma habilidade e

treino especial por parte do profissional. As tentativas de ensino são repetidas muitas vezes,

até que a criança atinja o critério de aprendizagem estabelecido (geralmente envolve a

demonstração de uma habilidade específica por repetidas vezes, sem erros). Todos os dados

(cada comportamento emitido pela criança) são registrados de forma precisa, e de tempos em

tempos (de preferência semanalmente) são transformados em gráficos que demonstram de

modo mais claro o progresso daquela criança em cada tarefa específica. É interessante notar

que o modelo experimental desse tratamento permite identificar erros, buscando corrigi-los

através de mudanças no ambiente

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Baseado nas pesquisas iniciadas no começo da década de 70, em 1987, Ivar Lovaas

publicou um primeiro estudo realizado na Califórnia, Estados Unidos, no qual apresentou

resultados validando o uso de princípios comportamentais no ensino de crianças

diagnosticadas com autismo: 19 crianças que receberam tratamento intensivo baseado na

Análise Comportamental Aplicada (ABA) 47% (9 alunos) foram completamente reintegrados

na escola regular. Muita controvérsia seguiu esta publicação, mas ao mesmo tempo um

número crescente de escolas especializadas em ANÁLISE DO COMPORTAMENTO

APLICADA foram criadas. As escolas especializadas que surgiram desde esta época ainda

oferecem ensino com qualidade e estão constantemente tornando público os resultados

obtidos.

Podemos citar, entre as escolas mais conhecidas em todo o mundo: PCDI (New

Jersey, EUA), NECC (Massachusetts, EUA), Spectrum Center (Califórnia, EUA), Jericho

School (Flórida, EUA), STARS (Califórnia, EUA), Ann Sulivan (Peru e Brasil), e mais

recentemente a AMA (São Paulo, Brasil). A organização dessas escolas é diferente em cada

uma delas, e depende de uma série de aspectos que vão desde aspectos financeiros, espaço

disponível, filosofia da escola, idade e habilidade inicial dos alunos, repertório

comportamental dos alunos, e leis governamentais. Algumas dessas escolas trabalham apenas

com crianças diagnosticadas com autismo e outras atendem um público mais diversificado.

Todas elas utilizam a metodologia gerada pela pesquisa na área de ANÁLISE DO

COMPORTAMENTO APLICADA e educação especial.

Estrutura educacional em escolas especializadas em ANÁLISE DO

COMPORTAMENTO APLICADA:

Uma das maiores discussões na área da educação especial envolve o número de profissionais

necessários para que o ensino de cada aluno seja o melhor possível, ou seja, eficiente e de

qualidade. Para que tal qualidade seja garantida, é importante estudar a melhor estratégia para

acomodar a necessidade de cada aluno individualmente. Há alunos que podem se beneficiar

de situações de um professor para um aluno (1:1) (Fig. 1), há alunos que, por outro lado, se

beneficiarão de situações de grupos pequenos ou grupos grandes (1:2 até 1:5). O objetivo final

será sempre incluir o aluno naquele ambiente que se aproxima cada vez mais ao ambiente

“natural” (escola regular, pública ou privada). Sendo assim, mesmo que um aluno receba

tratamento baseado em uma necessidade de instrução 1:1, o objetivo final será o de progredir

com o tempo para grupos pequenos (1:2), para grupos grandes (1:3 a 1:5) e finalmente para

inclusão (ex., Krantz & McClannahan, 1999). É interessante notar que muitos pais e

representantes dos alunos defendem o serviço 1:1 sem questionar que o melhor para a criança

será um ambiente menos intrusivo e mais semelhante ao ensino regular. De fato, há crianças

que necessitam um ambiente de ensino mais controlado (situação 1:1) para que alcancem

maior independência no futuro. Somente após possuírem habilidades básicas (como sentar,

realizar contato visual, esperar pela sua vez, imitar, seguir movimentos com os olhos e

responder a instruções simples) é que estas crianças poderão passar a aprender em situações

de grupo. É importante destacar que as habilidades aprendidas em situações de 1:1 e em

pequenos grupos nem sempre são generalizadas para situações diferentes da de aprendizagem.

A generalização de habilidades aprendidas requer, muitas vezes, treino específico.

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Fig. 1 – Situação de ensino 1:1

Outra discussão presente na área refente à qualidade do ensino é o treino dos

professores que trabalham diretamente com as crianças. É fundamental que os professores

sejam treinados por profissionais qualificados e que a supervisão seja uma atividade

constante. (ex., Page, Iwata, & Reid, 1982)

Um outro aspecto interessante, presente na maioria das escolas aqui citadas, é o

trabalho realizado em conjunto com outros profissionais tais como fonoaudiólogos, terapeutas

ocupacionais, e professores de educação física. Esses são serviços que vêm sendo oferecidos

nessas escolas e que têm trazido bons resultados quando pareados com ANÁLISE DO

COMPORTAMENTO APLICADA. Esses profissionais multidisciplinares são treinados para

seguir os princípios derivados da Análise do Comportamento e para serem consistentes com

os procedimentos prescritos para cada aluno. Dessa maneira, a qualidade e consistência do

serviço prestado é mantida e os alunos recebem serviços complementares que visam o

trabalho de habilidades específicas necessárias para cada um deles. Por exemplo,

fonoaudiólogos e analistas do comportamento podem trabalhar com meios de comunicação

alternativa tais como a introdução de PECS (vide Miguel, Braga-Kenyon e Kenyon, neste

volume) equipamentos adaptativos, tais como computador com touchscreen e/ou output para

som. Já o professor de educação física pode trabalhar em áreas de coordenação motora fina,

grossa, além de adaptar equipamentos como cadeiras de roda e andadores.

Alguns Pressupostos Básicos Adotados por Escolas Especializadas em ANÁLISE DO

COMPORTAMENTO APLICADA

Para oferecer uma educação baseada na Análise Comportamental Aplicada essas

escolas partem de alguns pressupostos básicos que geram práticas que são comuns a todas

elas.

Os comportamentos observados são vistos como passíveis de serem modificados, e a

emissão de comportamentos considerados inadequados não é vista como sintoma de uma

doença. A ausência de comportamentos não é vista como imutável. O diagnóstico é visto

como procedimento necessário na busca de recursos financeiros, mas não dita a prática do

analista do comportamento.

A principal característica do trabalho realizado pelo analista do comportamento é o

comprometimento com a premissa de que TODO comportamento possui uma função (causa).

Por exemplo, uma criança que se morde pode parecer “estranha”, mas ao analisarmos a

função daquele morder, podemos verificar, que ela se morde e imediatamente recebe atenção

dos pais. Se essa mesma criança não for ensinada a buscar essa atenção de uma forma mais

aceitável, teremos que concordar que não é “estranho” que ela se morda, pois afinal, o fato

dela continuar se mordendo indica que esse comportamento produz a conseqüência “atenção”

e, portanto, o se morder tem essa função.

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A emissão de comportamentos pode produzir diversas conseqüências, e baseado na 1)

relação entre a situação em que o comportamento é emitido, 2) o comportamento em si, e 3) a

conseqüência de tal comportamento, podemos investigar o que mantém tal comportamento,

ou seja, qual é a sua função.

Análise Funcional do Comportamento e o Ensino de Respostas Alternativas:

Uma das propostas da análise do comportamento é a de identificar relações funcionais

entre comportamentos problemáticos e eventos ambientais específicos. Em 1994, Iwata,

Dorsey, Slifer, Bauman, e Richman propuseram uma metodologia específica para examinar os

efeitos entre mudanças ambientais e a emissão de respostas de autolesão. Iwata et al (1994)

discutem o fato de que respostas de autolesão, nos últimos 15 anos, têm sido tratadas com

maior sucesso quando os tratamentos propostos são baseados em princípios comportamentais.

Os resultados apresentados na literatura sobre os tratamentos existentes (DRO, extinção,

timeout, overcorrection) são controversos. Iwata et al (1994) destacam que as falhas ou

inconsistências dos tratamentos descritos na literatura podem estar refletindo uma falta de

conhecimento das variáveis que produzem ou mantém as respostas de autolesão. Sendo assim,

para que se escolha um tratamento potencialmente efetivo, teríamos, primeiramente, que

determinar quais são os eventos que atualmente mantém tais comportamentos.

A conclusão da necessidade de se conhecer as variáveis que determinam a emissão de

um comportamento especifico é válida para qualquer comportamento. Os comportamentos

considerados inadequados (agressão, autolesão, fuga, estereotipia, birra) podem ser mantidos

por diferentes variáveis, entre elas: a) atenção: o indivíduo pode receber atenção

imediatamente após à emissão de comportamentos inadequados; b) esquiva/fuga: o indivíduo

pode evitar ou terminar uma situação aversiva caso emita o comportamento não adequado; c)

estimulação: o indivíduo pode se auto-estimular caso emita o comportamento inadequado; d)

busca de objeto preferido: o indivíduo pode emitir o comportamento não adequado visando

receber de volta um objeto preferido que tenha sido removido; e) multideterminado: há ainda

comportamentos que exercem mais de uma função ao mesmo tempo, ou seja, o

comportamento inadequado pode ao mesmo tempo trazer atenção e o objeto preferido, ou

trazer auto-estimulação e fuga.

A análise do comportamento pressupõe, portanto, que é fundamental conhecer a(s)

variável(eis) que mantém o comportamento, e a partir desse conhecimento, propor formas

alternativas de se conseguir a mesma consequência com um comportamento diferente. Por

exemplo, se uma criança emite agressões e tem como conseqüência a atenção de todos os

professores, poderíamos inferir que o que mantém essa criança emitindo agressões é a atenção

recebida, assim, é possível propor o ensino de formas mais adequadas de se “buscar” a

atenção dos outros (ex: levantar a mão, cutucar o ombro, chamar o professor).

Descobrir quais são as variáveis que mantém o indivíduo se comportando de

determinada maneira não é uma tarefa simples e nem a única a ser desempenhada pelo

analista do comportamento. Ensinar formas alternativas de comunicação e, portanto, formas

mais aceitáveis de se obter O MESMO que se vinha obtendo via comportamento inadequado

é, sem dúvida, mais uma das responsabilidades do analista do comportamento. Descobrir qual

é a função de um comportamento que observamos, ou seja, entender o porque da emissão

daquele comportamento (análise funcional) é uma tarefa que pode ser realizada de diferentes

maneiras. O modo mais científico, e portanto mais preciso, tem sido denominado “análise

funcional experimental” ou “análise funcional análoga”. Esse tipo de análise ocorre em um

ambiente controlado e similar a um experimento. O estudo publicado por Iwata et al (1994)

descreve detalhadamente cada fase de tal análise. A idéia básica desta metodologia é a de que

é possível criar um ambiente controlado em que todos os comportamentos (ex.,

comportamentos de agressão) são imediatamente seguidos por uma determinada

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conseqüência. As conseqüências apresentadas são alternadas (atenção, acesso a objeto

preferido, fuga/esquiva) e o experimentador busca uma uniformidade no padrão de

respostas/comportamentos. Por exemplo, se durante o procedimento de análise funcional o

comportamento de agredir ocorrer mais frequentemente na situação em que a criança recebe

atenção, assume-se que tal consequência é a responsável pela manutenção/occorência do

comportamento no ambiente natural.

Existem outros procedimentos cujo objetivo também é o de determinar a função de um

comportamento específico. Esses são procedimentos menos experimentais, mas que

apresentam as vantagens de não necessitarem de treinos extensivos para sua implementação,

podendo ser implementados no dia-a-dia do aluno. Dentre estes procedimentos encontram-se:

entrevistas com os pais e professores (Fisher, Piazza, Bowman, & Amari,1996), tabelas para

identificar antecedentes, comportamento e conseqüências (ABC checklists) (Lerman, D. C., &

Iwata, B. A., 1993), e tabelas para identificar padrões tais como horário, professor ou tarefa

presentes no momento da ocorrência do comportamento (Kahng et al., 1998).

Como discutido anteriormente, uma vez determinada a função de um comportamento

inadequado, o analista do comportamento deve ensinar comportametos alternativos que

possam gerar as MESMAS conseqüências que o comportamento inadequado gerava. Por

exemplo, se descobrimos através de uma análise funcional, que um aluno emite

comportamentos de autolesão (tais como mordidas na mão) e como consequência escapa das

atividades propostas, podemos ensiná-lo à entregar ao professor um cartão pedindo um

intervalo, ou ainda, um cartão pedindo uma tarefa mais fácil.

Ensinando Novas Habilidades Através do Uso de Reforçamento Positivo:

Finalmente, caberá também ao analista do comportamento, a tarefa de preparar o

ambiente de forma que novas habilidades possam ser ensinadas. O analista do comportamento

investiga quais são as habilidades presentes (repertório do indivíduo) e quais são os prérequisitos

para se ensinar habilidades subseqüentes. Para que o ensino de novas habilidades

seja efetivo, o analista do comportamento terá que estudar minuciosamente os procedimentos

de ensino propostos pela Análise Comportamental Aplicada e adaptar individualmente cada

procedimento.

Além de ensinar aos alunos “comunicação funcional” (Carr & Durand, 1985), o

Analista do Comportamento deve identificar quais são as habilidades que o aluno apresenta e

quais são as que precisa aprender. Habilidades básicas tais como contato visual, sentar

independente, seguir instruções simples e imitação motora devem ser ensinadas, se

necessário, antes de se introduzir habilidades descritas em um currículo mais intermediário,

tais como reconhecimento de objetos, nomeação, reconhecimento de números, atividades da

vida diária (por exemplo: escovar os dentes ou lavar as mãos) e, finalmente, as habilidades

pertinentes a um currículo mais avançado, tais como gramática, conceitos matemáticos,

emoções (Taylor and McDonough, 1994).

O ensino de comunicação funcional bem como o de novas habilidades deve ocorrer

preferencialmente através do uso de reforçamento positivo (Sidman, 1989) e não através de

métodos tais como coerção e punição.

Segundo Skinner (1988/1953):

... a única maneira de dizer se um dado evento é reforçador ou não para

um dado organismo sob dadas condições é fazer um teste direto.

Observamos a freqüência de uma resposta selecionada, depois

tornamos um evento a ela contingente e observamos qualquer mudança

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na freqüência. Se houver mudança, classificamos o evento como

reforçador para o organismo sob as condições existentes (p.81).

Testes para identificar possíveis reforçadores têm sido publicados em revistas

especializadas em Análise Comportamental Aplicada (ex., Journal of Applied Behavior

Analysis).

Pace, Ivancic, Edwards, Iwata e Page (1985) descrevem um procedimento que vem

sendo extensamente utilizado. Nesse procedimento 16 possíveis itens reforçadores podem ser

identificados para cada aluno, através da apresentação individual de cada um desses itens e do

registro da interação do aluno com o mesmo. Fisher, Piazza, Bowman, Hagopian, Owens e

Slevin (1992) acrescentaram ao procedimento proposto por Pace et al (1985) um componente

importante: a escolha. Fisher et al (1992) propõem a apresentação de dois itens por vez

(também chamado de escolha forçada) e registram qual item é escolhido com maior

freqüência. De Leon e Iwata (1996) sofisticaram ainda mais os procedimentos que vinham

sendo utilizados e propuseram a apresentação de sete items por vez, possibilitando um estudo

mais compreensivo de possíveis reforçadores.

A identificação de possíveis reforçadores é uma tarefa fundamental para garantir que

os comportamentos a serem ensinados sejam efetivamente incluídos no repertório dos alunos.

É importante destacar que o uso de reforçadores primários (tais como comida e bebida)

podem levar à saciação, ou seja, uma criança que emite respostas corretas e ganha uma bala

pode parar de emitir respostas corretas quando estiver “cheia” de balas.

Um procedimento frequentemente utilizado por analistas do comportamento para

evitar que a criança fique “cheia” ou “cansada” com relação a um item específico e também

para aumentar o número de respostas necessárias para receber tal item é denominado

economia de fichas (ex., Myles, Moran, Ormsbee, & Downing, 1992). Esse procedimento

pode ser descrito de maneira simples: cada vez que o aluno emite uma resposta correta o

professor entrega a ele uma fichinha (que pode ser feita de materiais diferentes, tais como

fichas de plástico, figurinhas). O aluno junta um número específico de fichinhas e as troca por

guloseimas ou brinquedo(s) predileto(s). Além de evitar possível saciação, o uso do

procedimento de economia de fichas apresenta uma série de vantagens, entre elas: o

reforçamento ocorre de modo mais imediato, o procedimento é facilmente implementado em

diferentes situações, pode ser correlacionado com reforço social (tal como elogios), além de

ensinar o aluno a esperar pela compensação.

Quatro Passos Fundamentais

O uso da Análise Comportamental Aplicada voltada para a educação especial

caracteriza uma prática científica que se baseia em 4 passos fundamentais: 1) avaliação

inicial, 2) definição dos objetivos a serem alcançados, 3) elaboração de programas

(procedimentos) e 4) avaliação do progresso. Desse modo, quando trabalhamos com essa

população, iniciamos o trabalho sempre pelo passo 1, avaliação do repertório inicial da

criança. Avaliações iniciais do repertório do aluno servem para estabelecer uma linha de base,

ou seja, para identificar o que o aluno sabe e o que não sabe, e ao mesmo tempo, para

identificar que comportamentos inadequados o aluno emite. Uma vez realizada a avaliação

inicial , o profissional deve seguir os passos 2, 3 e 4. É importante destacar que o processo

não se encerra após o passo 4. O tratamento de crianças diagnosticadas com transtornos

invasivos do desenvolvimento, quando baseado na Análise Comportamental Aplicada,

caracteriza-se, assim como tal abordagem, pela constante mudança, experimentação, registro

e mudanças.

Ao receber uma criança, o profissional encontra-se frente a um problema que envolve

uma série de questões: Quem é essa pessoa? Quais são suas habilidades? Do que será que ela

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gosta? Será que ela fala? Como será que ela se comunica? E assim por diante. Essa tarefa de

“conhecer” seu cliente parece assustadora, e nem sempre é fácil decidir por onde começar.

Nos parece que faz parte dessa avaliação inicial, pelo menos, três etapas: 1) investigação dos

“possíveis reforçadores” para essa criança específica. São os “possíveis reforçadores” que

serão utilizados para ensinar novas habilidades para a criança em questão. É importante

destacar que o “gosto” da criança varia com a passagem do tempo. Esse é o motivo pelo qual

falamos que as etapas são repetidas ao longo do processo. É fundamental que esse teste seja

repetido pelo menos uma vez por mês (quanto mais freqüente melhor); 2) também nesse

primeiro encontro com a criança, o profissional precisa registrar, de modo preciso, os

comportamentos que observa. É preciso então registrar de alguma maneira a forma e a

freqüência dos comportamentos observados; 3) já sabemos, após as etapas 1 e 2, quais são “as

coisas que essa criança gosta” e quais são os comportamentos que ela emite. Falta ainda

conhecermos as habilidades de nossa criança: saberá ela ler? Escrever? Saberá os números, as

letras? Será que ela consegue identificar diferentes figuras, objetos? O profissional, antes do

primeiro encontro, deve preparar o material que irá utilizar. É importante que ele saiba

conduzir testes, reforçar respostas alternativas, apresentar o material de modo “correto”. Tais

habilidades têm que ser ensinadas – o profissional necessita de um treino específico que

envolve desde a apresentação do material para a criança, a preparação do ambiente até a

deliberação do “reforço” no momento correto.

Agora que sabemos do que a nossa criança “gosta” e quais são suas habilidades

(repertório inicial) iremos planejar o que pretendemos ensiná-la. Não adianta acharmos que

vamos ensinar uma criança que não sabe os números a resolver problemas de matemática. A

idade cronológica bem como a suposição de que essa criança deveria estar em “tal série” não

garante que ela possua os pré-requisitos para tais habilidades. É fundamental que o

profissional avalie todos os possíveis pré-requisitos de cada tarefa, e que escolha seus

objetivos com base em tal avaliação. É comum que os primeiros objetivos escritos para uma

criança com necessidade de educação especial sejam do tipo: aumentar o tempo que faz

contato visual, aumentar o tempo em que permanece sentada, ensinar a “ligar” palavras

ditadas com figuras, ensinar a “reconhecer” objetos, e assim por diante. Outras habilidades

(objetivos) a serem ensinadas envolvem tarefas como a de ensinar a escovar os dentes, lavar

as mãos, e assim por diante. Não podemos nos esquecer que será também um objetivo o de

diminuir a freqüência daqueles comportamentos indesejáveis (agressões, autolesões,

destruições do ambiente, etc).

Com a lista de tarefas/objetivos que queremos ensinar nas mãos podemos nos

perguntar: “e agora? Como faço para alcançar tal objetivo?”

Uma das características mais importantes da Análise Comportametal Aplicada é o fato

de que cada tarefa sempre é ensinada dividindo-a em pequenos passos (Green, 1996). Desse

modo, não esperamos que a criança aprenda “de uma vez” a reconhecer as figuras que

apresentamos, por exemplo. Enquanto analistas do comportamento, sabemos que o processo é

lento e que os profissionais tem que saber ensinar cada passo, por menor que esse possa

parecer. Jamais podemos esperar que os comportamentos da criança mudem muito rápido: se

hoje ela apresenta 25 agressões por dia, não podemos jamais achar que amanhã tal freqüência

será de duas agressões por dia. Por outro lado, o registro e a avaliação constante, nos permite

verificar se a freqüência de respostas de agressão está, com o passar do tempo, diminuindo, o

que parcialmente comprovaria a efetividade do programa (procedimento).

Cabe aqui ressaltar a importância da avaliação contínua. Se avaliássemos nossa

criança apenas uma vez por mês, por exemplo, poderíamos chegar a conclusão de que ela não

aprendeu aquilo que pretendíamos ensinar. Caso ela não tenha aprendido, um mês se passou e

mudanças serão realizadas somente após este um mês em que a criança foi exposta a uma

história de erros. Por outro lado, se avaliarmos essa criança durante cada sessão, ou seja,

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conforme vamos ensinando-a, aí sim poderemos identificar se o programa que escrevemos

está funcionando ou não, e melhor que isso, teremos tempo de mudá-lo, adaptá-lo,

transformá-lo de modo que seja efetivo e de que não ofereça uma historia de erros. O registro

de dados e, portanto, a avaliação contínua é uma das características fundamentais da Análise

Comportamental Aplicada (ABA).

Conclusão

A Análise Comportamental Aplicada é uma disciplina com mais de 50 anos de

pesquisa científica contínua. O tratamento não se baseia em um conjunto de regras e passos a

serem seguidos. É um tratamento específico que deve ser construído conforme vai

transcorrendo. Os programas estão em constante mudança, e o analista do comportamento

esta sempre buscando a maneira mais efetiva de transformar repertórios comportamentais

individuais. O ensino de novas habilidades, bem como o objetivo de eliminar comportamentos

indesejáveis servem como objetivos a serem alcançados. Uma lista desses objetivos é definida

pelo profissional, juntamente com a família, com base nas habilidades iniciais da criança,

após a avaliação. O envolvimento dos pais e de todas as pessoas que participam da vida da

criança é fundamental durante todo processo. Vale a pena ressaltar que o tratamento não é

milagroso nem rápido, embora é considerado, hoje, o mais efetivo.

Sobre os autores:

Paula Braga-Kenyon, M.S. é psicóloga formada pela PUC-SP, mestre em análise comportamental aplicada pela

Northeastern University, EUA. Atualmente trabalha como Coordenadora Educacional em uma escola

especializada para crianças diagnosticadas com autismo e outros transtornos do desenvolvimento.

Shawn E. Kenyon, M.A. é mestre em Psicologia Clínica – Especialização em Terapia Comportamental para

Crianças e Adolescentes. Terminou o mestrado pelo Assumption College, EUA e trabalha atualmente como

Coordenador Educacional em uma escola especializada para crianças diagnosticadas com autismo e outros

transtornos do desenvolvimento.

Caio Miguel, M.A. é formado em Psicologia pela PUC-SP, mestre e doutorando em análise comportamental

aplicada pela Western Michigan University, EUA. Uma de suas áreas de pesquisa é o ensino de linguagem em

crianças diagnosticadas com autismo e outros transtornos do desenvolvimento.

Agradecimentos:

Os autores agradecem Claudia Braga pelos comentários e sugestões.

Endereço para correspondência:

Paula Braga-Kenyon, M.S.

1057 Maywood Lane apt. # 413

Martinez, CA 94553 EUA

Caio Miguel, M.A.

4615 Dover Hills Dr. Apt. 104

Kalamazoo, MI 49009 EUA

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Fonte:Transtornos Invasivos do Desenvolvimento: 3o. Milênio (pp. 148-154)

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