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Planejamento de Contingências de Ensino

Ghoeber Morales dos Santos

  

212 Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn. 2006, Vol. VIII, nº 2, 212-216

 

A Análise do Comportamento e o Planejamento de Contingências de Ensino

 

Resenha do livro "Análise de contingências em programação de ensino infantil": liberdade e efetividade na educação, escrito por Adélia Maria Santos Teixeira. Santo André: ESETec (2006).

 

A leitura de duas obras, Psicoterapia centrada

en el cliente (em português: A terapia centrada

no paciente), de Carl R. Rogers (1966) e

Liberdade sem medo, de A.S. Neil (1968), na

qual são descritos procedimentos

pedagógicos praticados na Escola

Summerhill, na Inglaterra, constitui a

principal inspiração da autora deste livro

em seus primeiros anos de vida

profissional. Motivada pela educação

centrada no aluno, apontada pela

perspectiva rogeriana, e pela educação

liberal, defendida por Neil, ela elabora um

projeto pedagógico infantil baseado em

duas proposições: ensino de qualidade e

liberdade de ação dos alunos.

A história narrada no livro é a de uma

escola infantil criada e desenvolvida em

Belo Horizonte. Em 1970, duas jovens

(sendo a própria autora uma delas) recémformadas

em Psicologia uniram-se para

instituir uma escola de alta qualidade,

dirigida para a classe média. Esta escola foi

construída num espaço físico amplo e

confortável e contava com professores

qualificados e bem remunerados. A autora

nos relata, com riqueza de detalhes, sobre as

experiências pedagógicas vividas nessa

instituição de ensino, no período

compreendido entre 1970 e 1983.

O livro é destinado a uma ampla gama de

leitores: professores, pedagogos, psicólogos,

alunos de Psicologia e de Pedagogia,

pessoas interessadas em educação e,

primordialmente, analistas do

comportamento. A narrativa é escrita por

meio de linguagem simples e acessível,

possibilitando uma fácil compreensão. Em

determinados momentos, alguns termos

técnicos são utilizados, por exigência estrita

dos procedimentos descritos. Entretanto, a

autora sempre os define e os explica de

modo inteligível ao leitor.

Os objetivos gerais que nortearam o

desenvolvimento do projeto pedagógico da

referida escola foram:

1) Oferecer à classe média uma

escola de alto nível;

2) Criar um grupo de trabalho

altamente interessado em

educação;

3) Criar um ambiente propício ao

trabalho científico e ao

desenvolvimento intelectual do

quadro de pessoal;

4) Desenvolver pesquisas em

Psicologia e oferecer

possibilidade de estágio a alunos

do curso de Psicologia e a

interessados de outros cursos;

¹ Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento (PUC/SP). E-mail: ghoeber@yahoo.com

² Mestra em Educação (Faculdade de Educação / UFMG). Pesquisadora associada ao Laboratório de Psicologia e Educação

(LAPED / UFMG). E-mail: manuglopes@gmail.com

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Ghoeber Morales dos Santos - Manuela Gomes Lopes

5) Participar da educação integral

dos alunos, promovendo, então,

um relacionamento íntimo entre

escola e família;

6) Desenvolver, nos alunos, a

sociabilidade, a criatividade, a

espontaneidade, a iniciativa e as

operações de raciocínio, assim

como a habilidade de iniciar e

transmitir informações,

enfatizando o desenvolvimento

das aptidões para a Matemática e

para as Ciências Exatas.

O livro está dividido em três partes: a

primeira, constituída pelos capítulos 1, 2 e 3,

enfoca a tentativa das donas da escola em

unir o modelo tradicional de ensino com

uma filosofia liberal de educação. Na

segunda parte, formada pelos capítulos 4, 5,

6 e 7, é descrita a introdução do modelo de

análise de contingências naquela instituição,

acompanhado pela individualização na

programação do ensino. Finalmente, na

terceira parte, composta pelo capítulo 8, a

autora tece algumas reflexões sobre as

experiências pedagógicas vividas e discute

problemas relativos à qualidade e

efetividade do ensino.

Mais especificamente, nos capítulos 1, 2 e 3,

são narrados a criação da escola e seus

primeiros anos de funcionamento. Destacase

que, em princípio, o formato pedagógico

que a direcionava estava calcado em um

modelo tradicional de ensino. A autora

ressalta que o trabalho conduzido começou

a revelar problemas desde o início, o que

apontava para mudanças necessárias.

Dentre as principais dificuldades

enfrentadas na instituição, estavam a

heterogeneidade das turmas, o pouco

conhecimento das diretoras em relação ao

que acontecia concretamente dentro de sala,

o manejo das classes e as fugas constantes

de crianças de suas salas de aula.

Uma contradição importante do sistema

pedagógico adotado pôde então ser

vislumbrada: objetivava-se unir uma

filosofia de educação permissiva, liberal e

centrada nas diferenças individuais a um

sistema de ensino dirigido e centrado na

unidade grupal, característico do modelo

educativo infantil tradicional. As donas e

também diretoras da escola (a autora e sua

sócia) oscilavam entre essas duas metas

concorrentes, sendo que nenhuma delas era,

de fato, atingida. Modificações tanto no

planejamento como na execução das

atividades pedagógicas da instituição

mostraram-se urgentes.

Ainda em 1970, a autora e sua sócia

iniciaram seus estudos sobre Análise

Experimental do Comportamento. Em 1971,

elas decidiram aplicar alguns princípios do

comportamento às ações pedagógicas

desenvolvidas, procurando alterar a

conduta das crianças. No entanto, isso foi

feito de forma limitada e pouco sistemática.

Novas mudanças ocorridas na escola, entre

elas mudanças administrativas, físicas e

aquelas relacionadas às situações de ensino,

culminaram na decisão da autora de se

ocupar mais efetivamente daquilo que

acontecia no espaço da sala de aula. Como

conseqüência, ela resolveu atuar inclusive

no planejamento das atividades diárias das

crianças, na tentativa de retirar, das

professoras, a função de determinar e

distribuir os conteúdos a serem ensinados e

de adquirir, em contrapartida, maior

controle acerca do que estava sendo

realizado em cada classe.

Porém, a dinâmica de funcionamento da

instituição ainda apresentava problemas e

dificuldades, algumas delas persistentes há

muito tempo: a saída de alunos de suas

salas de aula, o nível de ensino que deixava

a desejar, além de uma variedade grande no

padrão de aquisições das crianças. Ou seja,

algumas aprendiam o conteúdo

programado com facilidade e num curto

período de tempo, enquanto outras

apresentavam muitas dificuldades e

precisavam de mais explicações para o

compreenderem. Esses obstáculos eram

enfrentados com alterações por sua vez

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A Análise do Comportamento e o planejamento de contingências de ensino

insuficientes para realmente mudar os

resultados do trabalho realizado e para

cumprir a meta de qualidade de ensino. As

contingências de reforçamento atuantes nas

situações escolares diárias não eram

identificadas. Gradativamente, a

incompatibilidade entre o modelo do

sistema tradicional de ensino e os

propósitos de ensino efetivo e liberdade de

ação para as crianças tornava-se mais nítida.

No capítulo 4, a autora descreve o Programa

Escrita Manuscrita Cursiva, com o qual ela

pretendeu estabelecer a seqüência de

contingências necessárias para a instalação

do repertório de leitura apoiado em um

repertório de escrita. Essa descrição é feita

de maneira minuciosa, com as

especificações de cada passo realizado. O

cumprimento do programa exigia a

aplicação de vários procedimentos e

princípios da Análise Experimental do

Comportamento. Dentre estes, podem ser

citados: modelagem; reforço diferencial;

reforço positivo; discriminação de

estímulos; generalização de estímulos;

diferenciação de respostas e operantes

encadeados.

No capítulo 5, a forma como se deu a

implantação da programação de

contingências e da individualização do

ensino na escola é descrita, bem como as

dificuldades encontradas para tal. De

acordo com a autora, em 1974 o ensino

individualizado foi implantado para todos

os alunos acima de três anos de idade, nas

áreas de Matemática e Linguagem. Com

essa mudança na maneira de ensinar, os

professores da escola não se encarregavam

mais do planejamento da situação de

ensino; esta função passou a ser da diretora

técnica da escola (a autora do livro). O papel

dos professores, a partir dessa mudança, era

o de veicular os programas desenvolvidos,

acompanhar a interação dos alunos com os

mesmos e interagir socialmente com eles.

Essa dicotomia entre planejamento e

execução das tarefas foi fundamental para

que a implantação da individualização do

ensino programado ocorresse.

Duas características da nova situação

pedagógica implantada também merecem

destaque. Uma delas refere-se ao fato de

que a programação do ensino requeria, por

parte dos alunos, a demonstração de um

domínio pleno do que lhes era ensinado

(critério de 100% de acerto) para que eles

pudessem dar continuidade às atividades

propostas. Isto garantia que todos os alunos

da escola chegassem ao final do período

letivo tendo aprendido, de fato, tudo aquilo

que havia sido estipulado. A outra

característica aponta para o respeito ao

ritmo próprio de aquisição do aluno, ou

seja, este tinha a possibilidade de cumprir

as atividades do programa de forma

gradual, de acordo com suas necessidades e

com seu ritmo de compreensão dos

conteúdos ensinados.

Uma mudança tão grandiosa no método de

ensino quanto a que estava sendo

introduzida requereu um planejamento

ambiental bastante amplo e implicou um

período de adaptação importante tanto para

os alunos quanto para os funcionários da

escola. Mesmo assim, dificuldades e

problemas durante a implantação da

programação e da individualização do

ensino certamente surgiram e estão

descritas no final desse capítulo. A principal

delas diz respeito ao não cumprimento da

participação diária dos alunos nas áreas de

Matemática e Linguagem. Nesse primeiro

momento do processo de implantação da

programação do ensino, estava previsto que

cada aluno tivesse contato com as

atividades de Matemática e Linguagem

todos os dias. No entanto, o que se

observou foi a participação por, no máximo,

três vezes na semana.

Ainda no capítulo 5, é apresentada uma

descrição dos programas “Sistema de

Numeração I” e “Sistema de Numeração II”,

referentes à programação do ensino na área

de Matemática. Estes dois programas

tiveram, como objetivo, estudar o sistema

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numérico com base em noções de teoria de

conjunto.

No capítulo 6, são evidenciadas as

modificações implementadas na proposta

inicial do novo sistema de ensino a fim de

sanar as dificuldades ressaltadas no

capítulo 5. Uma dessas modificações foi a

adoção de um treinamento mais sistemático

dos professores no intuito de garantir um

desempenho adequado na aplicação dos

programas de ensino desenvolvidos. A

aplicação dos programas de Matemática e

Linguagem em grupos de dois ou três

alunos foi outra alteração feita a partir de

1977, que se encontra descrita no final do

capítulo.

No capítulo 7, são apresentados alguns

dados derivados da ação pedagógica

realizada antes e depois da implantação da

programação do ensino de forma

individualizada. Dois problemas presentes

na escola antes da mudança no método de

ensino que incomodavam bastante a autora

eram o desconhecimento acerca do que

ocorria dentro da sala de aula e na situação

de ensino em geral e dúvidas em relação à

eficácia do que era ensinado. Ambos

diminuíram consideravelmente a partir da

implantação da programação de ensino por

ela desenvolvida, já que “o ensino

programado embute, em sua formulação,

um compromisso com registro de dados

sistemáticos, que permitem analisar a

natureza da produção do aluno e a

efetividade do programa” (Teixeira, 2006,

p.150). Grande parte deste capítulo,

portanto, apresenta dados do desempenho

de 30 crianças submetidas ao ensino

programado individualizado nas áreas de

Matemática e Linguagem. O maior grau de

facilidade ou dificuldade demonstrado

pelos alunos em cada tarefa dos programas

foi obtido por meio do número de

atendimentos requeridos pelas crianças

para completar cada programa, isto é, pelo

número de vezes em que eles tiveram

contato com as atividades programadas.

A Parte III do livro é composta pelo capítulo

8, o último deles. É o momento no qual a

autora reflete acerca da experiência

pedagógica que vivenciou ao longo de 13

anos desafiadores. As considerações

trazidas nesse capítulo são bastante

enriquecedoras. Trata-se de temas como a

parceria entre ciência e educação; as

relações entre ensino programado,

tecnologia de ensino e Análise Experimental

do Comportamento (incluindo-se aí as

principais diferenças entre a Instrução

Programada e o Sistema de Ensino

Personalizado, o PSI (Personalized System of

Instruction); as possibilidades e limitações

do atendimento coletivo em um sistema de

ensino programado; os equívocos e falácias

de leigos e mesmo de educadores sobre

princípios comportamentais (tais como a

idéia de que a aplicação de princípios

comportamentais – ou de condicionamento

– à educação reduz as diferenças

individuais entre as pessoas tornando-as

semelhantes, massificando-as, e também a

suposição de que as pessoas, por serem

diferentes, não são capazes de adquirir

habilidades em padrões semelhantes de

desempenho). Além disso, são descritas as

relações estabelecidas entre máquina de

ensinar, alunos e professores, bem como a

nova função dos professores num sistema

de ensino programado e individualizado; a

discussão existente entre programação de

contingências de ensino lineares e em rede;

eficiência versus eficácia do ensino e,

finalmente, a compatibilização entre crenças

no ensino efetivo e na liberdade de atuação

do aluno, idéias que nortearam, desde o

início, a experiência pedagógica relatada

nesta obra.

Acreditamos que todos terminarão a leitura

desta obra com a mesma constatação: aquilo

que a Educação necessita urgentemente é

uma mudança no método de ensino.

Teixeira (2006) é enfática neste ponto ao

dizer:

Não adianta investir em treinamento de

professores, em construção de mais escolas, em

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A Análise do Comportamento e o planejamento de contingências de ensino

produção de material pedagógico. Tudo isso tem

sua importância e está sendo feito por alguns

governadores de alguns estados. A educação não

mudará, porém, se não ocorrer uma intervenção

no método de trabalho, o que implica a aplicação

dos conhecimentos científicos da Análise

Experimental do Comportamento no

planejamento do ensino (p.203).

Tal forma de pensar é fruto de uma vida

quase inteiramente dedicada ao estudo e

ensino da Análise do Comportamento. Há

mais de 30 anos, a autora tem se dedicado à

Educação e, particularmente, às

contribuições que a Análise do

Comportamento pode trazer para essa área.

A Professora Dra. Carolina Bori plantou

sementes que se tornaram frutos valiosos –

analistas do comportamento cujas pesquisas

e produções sobre Educação se destacam na

comunidade behaviorista radical. A autora

deste livro é, certamente, um desses frutos.

A sistematização de sua experiência

pedagógica, compilada nesta obra, é a

semente que ela nos deixa. Como ela mesma

costuma nos dizer, “o instrumental inicial já

está disponível...”. Que novos frutos sejam

colhidos!

Recebido em: 15/03/2007

Primeira decisão editorial em: 09/04/2007

Versão final em: 17/04/2007

Aceito para publicação em: 15/05/2007

  

Fonte:Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn. 2006

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