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Análise comportamental no Brasil

Maria Amelia Matos

  

Psicol. USP vol.9 n.1 São Paulo 1998

 

CONTINGÊNCIAS PARA A ANÁLISE COMPORTAMENTAL NO BRASIL1 

 

Maria Amelia Matos

Instituto de Psicologia - USP 

 

 

O exercício da Análise Comportamental no Brasil iniciou-se em 1961 com as aulas do Prof. Keller na Universidade de São Paulo. Em 1959, uma misteriosa Mirtes Rodrigues do Prado, freqüentando as aulas do Prof. Keller na Columbia University, e encantada com o que ouvia, levantou a possibilidade dele ministrar cursos no Brasil. Durante o ano de 1960 o Prof. Paulo Sawaya, professor titular de Fisiologia e então Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, efetivou essa possibilidade através de um convite formal ao Prof. Keller. 

Em Fevereiro de 1961 o Prof. Keller chega ao Brasil acompanhado de Mrs. Frances Keller, que se tornaria a indispensável Dona Frances, grande amiga de todos nós e fortaleza do Prof. Keller. Foi recebido no aeroporto pelo próprio Dr. Sawaya, pelo novo Diretor, o Prof. Mário Guimarães Ferri, e por uma professora assistente da Cadeira de Psicologia (naquele tempo não existiam "departamentos"), a Dra. Carolina Martuscelli Bori. Estes fatos são relatados com muito mais sabor e humor pelo próprio Prof. Keller (1977). 

No primeiro semestre desse mesmo ano ele ministrou duas disciplinas, as aulas eram dadas em uma sala do prédio da Fisiologia, na então semi-deserta e completamente isolada Cidade Universitária "Armando de Salles Oliveira". As disciplinas eram optativas e versavam, uma, sobre tópicos em Psicologia Comparada e Animal e outra, sobre História da Psicologia. Nós, os alunos pertencíamos ?primeira turma de formandos em Curso de Graduação em Psicologia no Brasil. O curso fora uma colcha de retalhos e procurávamos, ainda ao seu final, alguma justificativa para sua existência: com a exceção de alguns poucos professores, parecia-nos que tudo que aprendêramos poderíamos t?lo feito lendo alguns poucos e desatualizados livros. O impacto das aulas do Prof. Keller foi grande: ele discutia idéias e fatos; e não somente propostas teóricas derivadas de críticas de outras tantas teorias, que por sua vez também se derivavam de outras teorias etc.,etc.. 

Em suas aulas de Psicologia Comparada e Animal discutia o conceito de comportamento animal, as mudanças ocorridas nesse conceito ao longo da evolução da própria Psicologia, como essas mudanças dependiam da interação da Psicologia com outras ciências/com a Filosofia/com a própria concepção de Homem. Mais importante, nos mostrava os métodos decorrentes destas posições e os estudos realizados com esses métodos, fazendo-nos discutir suas dificuldades e seus avanços. A disciplina de História da Psicologia na realidade era um estudo sobre a história do reflexo. Após passar rapidamente por Platão e Aristóteles, ele se detinha longamente em Descartes, sua grande paixão, e terminava com os estudos dos grandes fisiólogos ingleses dos séculos XVIII e XIX. Somente na disciplina de Psicologia Experimental, j?no segundo semestre, ele mencionaria Pavlov, Watson, Skinner e, a contragosto, Thorndike. O conteúdo de seu curso em História resultou posteriormente em um artigo publicado no Brasil em 1964. 

As aulas eram expositivas, em inglês, e extremamente difíceis de acompanhar, tanto pela língua como pelo tema, mas principalmente pela ausência de material bibliográfico. Seu primeiro assistente, o Prof. Rodolpho Azzi, ao mesmo tempo que estudava intensamente para o curso do segundo semestre, montava uma pequena biblioteca que chegava (aos poucos) com a bagagem dos Kellers; montava também um laboratório de pesquisa com o equipamento da Grason-Stadler (que ninguém sabia como funcionava, pois, afinal, não se podia esperar que psicólogos entendessem de relês e circuitos elétricos); e, mais importante ainda, criava do nada um laboratório de ensino, a ser utilizado no segundo semestre. 

Rodolpho Azzi era um poeta (adjetivo que ele atribuía a seu amigo Fred Keller). Formado em Filosofia na Maria Antônia, lecionava Psicologia Educacional na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Jos?do Rio Preto (interior de São Paulo), onde pregava a revolução. Sabe-se l?como, chegara a suas mãos um pequeno livro The Definition of Psychology: an Introduction to Psychological Systems (Keller, 1937) escrito por um psicólogo americano desconhecido, Fred Simmons Keller. Encantado com o livro e com suas idéias, Rodolpho traduzira extensos trechos que usava em suas aulas. Sabedora do fato a Profa. Carolina, quando consultada pelo Prof. Sawaya, indicara sem hesitar o nome de Rodolpho para o cargo de primeiro assistente. 

Desde o princípio Carolina foi a grande benéfica presença intermediando contatos com a administração, conseguindo as condições para a liberação de equipamentos e livros na alfândega, verbas para material de custeio e/ou compra de equipamento, levando os Kellers pelo Brasil afora para apresentações em congressos, participação breve em cursos, ministração de conferências, participação em debates e, de modo geral, espalhando os princípios e o método da Análise Experimental do Comportamento no Brasil. 

As instalações do Prof. Keller localizavam-se no segundo andar do prédio do Departamento de Fisiologia na Cidade Universitária: uma grande sala de cerca de 80 m2 onde se localizavam mesas com as primeiras caixas de condicionamento operante construídas no Brasil (mais sobre isso logo a seguir), uma estante com ratos brancos - nossos sujeitos e amigos - e uma escrivaninha para os assistentes; ao lado, em anexo, uma pequena sala com uma escrivaninha para o Prof. Keller, duas estantes com livros e separatas que ele trouxera dos EUA, e o "equipamento americano". Durante este primeiro semestre nossas atividades no laboratório consistiam em ler aceleradamente todo o material disponível; discutir detalhadamente, em geral com o Rodolpho, o livro Principles of Psychology (ou, como o chamávamos o "K & S"), de Keller e Schoenfeld (1950) realizar todas as experiências de laboratório possíveis com o equipamento existente; montar tabelas e gráficos com os resultados dos exercícios; e discutir esses resultados com o Prof. Keller. Além de Rodolpho, Carolina e eu, duas alunas, Maria Inês Rocha e Silva e Dora Selma Ribeboim Fix participavam também dessas atividades. A old gang como éramos chamados pelo Prof. Keller estava formada: Rodolpho, Carolina, eu, Maria Inês e Dora (embora eu tenha minhas dúvidas se o Prof. Keller não incluiria também o Seu Chico da cantina como um membro honorário). 

Rodolpho havia improvisado um pequeno laboratório didático com quatro ou cinco unidades de "caixas de Skinner", e que na verdade funcionava muito bem. Adaptara, a uma das paredes de gaiolas comuns de passarinho, placas de metal com uma perfuração redonda no meio. Por essa perfuração passava uma vareta de metal de cerca de 30 cm de comprimento, dobrada numa das extremidades como se fora um cabo de guarda-chuva. Cerca de 10 cm da extremidade reta da vareta entravam pela perfuração da placa de metal, enquanto a extremidade curva ficava do lado de fora da gaiola. Quando a parte reta da vareta ("a barra") era deslocada para baixo, a parte curva deslocava-se para cima e batia na placa metálica produzindo o "barulho do bebedouro". 

Trabalhávamos sempre em dupla: o experimentador controlava as contingências, registrava o tempo e as respostas e dava ordens ao "bebedouro". O "bebedouro" era o outro membro do par: com uma pequena cuba com água e uma pipeta de vidro "reforçava" os deslocamentos da barra introduzindo a pipeta (devidamente molhada) na caixa, ao alcance do rato. Lembro-me at?hoje da sensação, forte e doce, de que, da?por diante, aprenderia não apenas lendo nos livros, mas realizando o que esses livros diziam, e eventualmente podendo at?a vir a realizar coisas não escritas! 

Apesar de doutora titulada, docente em Rio Claro e na USP, Carolina assistia a todas as aulas e realizava todos os exercícios de laboratório, elaborando cuidadosamente as tabelas, curvas e cálculos solicitados. Nunca perdeu uma sessão experimental! Eu sei, pois era seu "bebedouro". 

Durante muito tempo, at?hoje na verdade, o problema de equipamento para uso didático permaneceu um entrave para o ensino da Análise do Comportamento no Brasil. Carolina, que era Professora Titular da Cadeira de Psicologia Educacional na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, e que l?desejava introduzir o curso de Psicologia Experimental, encomendou a Andrés Aguirre (um inventor muito criativo que se dedicava a construir aparelhos especiais para médicos ortopedistas) uma caixa protótipo, que reproduzisse as principais características da caixa importada da Grason-Stadler. Contudo, além de caro, o protótipo construído apresentava alguns problemas de funcionamento de difícil solução. Somente alguns anos depois o Prof. Mário A. A. Guidi outro inventor criativo, factotum da Psicologia Experimental no Brasil, desenhou e construiu uma caixa experimental viável, que, embora necessite de manutenção constante, tem sido, at?agora, em Psicologia, no país, a única peça de equipamento didático genuinamente de alcance nacional. Essa construção, assim como de outros equipamentos a serem usados em outras áreas da Psicologia Experimental, s?foi possível graças ?intervenção de Carolina, que montou um projeto encaminhado ?FAPESP, para financiar a pesquisa e construção de tais protótipos. Com esses protótipos foi possível implantar o sonho de um curso de graduação em Psicologia que realmente envolvesse a atividade de laboratório com os alunos, em práticas, demonstrações e exercícios onde cada aluno tivesse seu equipamento para trabalhar e, principalmente, em que esse trabalho fosse em Psicologia, e não em área afins, como at?então. 

No segundo semestre de 1961 o Professor Keller dedicou-se a aquilo para o que realmente viera, e para o que se preparara e nos preparara durante todo o primeiro semestre: a ministração de um curso de Psicologia Experimental com conteúdo programático em Análise Experimental do Comportamento e acompanhado de exercícios práticos de laboratório. 

Em 1962, durante o primeiro semestre Rodolpho e eu enfrentamos sozinhos o curso de Psicologia Experimental: Rodolpho com a parte teórica e eu com a parte prática. Entre os alunos: João Cláudio Todorov, Luiz Otávio Seixas de Queiroz, e Marília Ancona Lopez. Carolina e Rodolpho traduziam o livro recém publicado de Holland e Skinner, The Analysis of Behavior: A Program for Self-Instruction (1961), Carolina usava o texto em Rio Claro e eu, na Escola de Enfermagem da Faculdade de Medicina da USP. Depois, analisávamos os "erros" dos alunos e descobríamos os erros dos autores/tradutores (nunca aprendi tanto sobre o ensinar como naqueles dias). 

 

 

Figura 1: Carolina M. Bori, Rodolpho Azzi e Maria Amelia Matos (da direita para a esquerda) diante da primeira caixa de condicionamento operante construída no Brasil, Março de 1963 (foto cedida por Maria Amelia Matos). 

 

Em Julho, Maria Inês, Dora e eu partíamos para os EEUU e Gil Sherman chegava ao Brasil para dar continuidade ao trabalho do Prof. Keller. Os acontecimentos a partir da?estão descritos em vários artigos do próprio Prof. Keller e seus colaboradores: o convite de Darcy Ribeiro a Carolina para implantar um curso inovador de Psicologia na Universidade de Brasília e que serviria de modelo para os demais cursos em Ciências Humanas naquela Universidade; as viagens de Carolina e Rodolpho aos Estados Unidos para estudarem projetos alternativos, comprarem livros e equipamentos, discutirem com educadores e pesquisadores; os inúmeros serões com o Prof. Keller em Englewood Cliffs, N.J., tomando very dry martinis (preparados por um especialista) e discutindo idéias e projetos, sonhos e aspirações, caminhos e recursos; o retorno dos Kellers ao Brasil em 1964 para tentar o novo projeto de ensino em Brasília; o golpe militar no país; a implantação da ditadura; as cassações de professores e, finalmente, a intervenção na Universidade de Brasília em Novembro de 1965; o fim de um sonho ... (Bori, 1974; Keller, 1968, 1974; Keller, Bori & Azzi, 1964). 

Mas a História ?mais forte que o sonho e a Ciência, que os quartéis. 

Em 1961, com os recursos de que dispúnhamos, a realização de experimentos somente era possível com um animal por vez, e mesmo assim com o monitoramento contínuo pelo experimentador. Não havia formadores de pulso em quantidade suficiente, nem gerador de som, nem misturador de polaridade para choque elétrico, nem marcadores de passo, etc.. Estas contingências determinaram que, nos primeiros estudos de laboratório, se estudassem variáveis temporais bem como alguns esquemas básicos, esta última opção perdurando por muito tempo entre nossos pesquisadores. 

Por outro lado, máquinas de ensinar e textos programados eram a grande novidade nos EUA; o Prof. Keller deixara-nos uma vasta biblioteca sobre programação de textos, tínhamos at?encaminhado ao CRPE (Centro Regional de Pesquisas Educacionais) um projeto sobre o tema. Brasília consolidaria estas contingências. A proposta de Brasília resultou, nos Estados Unidos, no PSI - The Personalised System of Instruction (Keller & Sherman, 1974), e, no Brasil, na Análise de Contingências em Programação de Ensino (Bori, 1974). Esta segunda opção marcou inúmeras gerações de analistas do comportamento "bedesianos" (isto ? que passaram pela pós-graduação em Psicologia Experimental quando esta era ministrada no famoso Bloco 10, sede do Departamento de Psicologia Experimental da USP, na Cidade Universitária). Esta opção representava uma maneira particular de Carolina considerar a programação de ensino. Centrava-se na identificação e análise das diversas contingências envolvidas nos diferentes objetivos de ensino, e na programação de atividades que garantissem essas contingências. Nesse sentido, realizava uma cuidadosa análise comportamental desses objetivos e realmente revolucionou não s?o ensino em Psicologia Experimental, mas também em outras áreas, como a Física, Química, Engenharia, Arquitetura, etc. Eu diria mesmo que esta ênfase particular que Carolina imprimiu ao Método Keller mudou-o radicalmente, de um método para organizar um curso e ministrar aulas, em uma poderosa técnica de planejamento de condições de ensino. 

Essas duas primeiras e fortes condições iniciais marcaram a prática da Análise do Comportamento no Brasil pelos próximos quinze anos: pesquisa básica com animais e pesquisa aplicada, voltada para o ensino. A partir da?outros desdobramentos ocorreram e foram importantes. 

Na década de 70 um grupo de farmacologistas em Ribeirão Preto começou a utilizar as técnicas operantes para o estudo do mecanismo de ação de drogas. Vários profissionais começaram a usar os princípios de Análise do Comportamento em suas intervenções clínicas e pedagógicas. Uma firma dedicada exclusivamente ?tradução e elaboração de textos programados foi instalada por professores de Psicologia, Física e Química em São Paulo. 

A partir do j?mencionado projeto, montado por Carolina e patrocinado pela FAPESP, foi iniciada a construção de protótipos de equipamentos para o ensino da Psicologia Experimental: caixas de condicionamento operante, caixas de corrida de Mowrer, bancos óticos, kits para teste de limiar visual e auditivo, etc. Com uma grande visão do futuro, com uma vontade inquebrantável de transformar a Psicologia em uma ciência experimental, e com a habilidade e criatividade de Mário Guidi, Carolina levou ?frente a idéia de construir equipamentos nacionais para laboratórios didáticos em cursos de Psicologia. Em breve foi firmado um convênio com o IBECC que assumiu a tarefa de reproduzir e construir esses protótipos. Manuais de laboratório para experimentação com ratos e com pombos foram escritos. 

Gradualmente o ensino de Psicologia Experimental tornou-se quase que sinônimo de ensino de Análise Experimental do Comportamento e espalhou-se por todo o país; o Sistema Individualizado de Ensino tornou-se a maneira tradicional de ensinar nestes cursos e muitos estudos foram realizados por orientandos de Carolina para investigar aspectos específicos dessa técnica. Docentes de outros cursos, a maioria treinados por ela, passaram a empregar esta mesma técnica no ensino de outras ciências: Física em São Paulo e Recife; Biologia em Salvador e Belo Horizonte; Matemática em São Paulo, Recife e Belo Horizonte; Engenharia e Arquitetura em São Paulo, Mogi das Cruzes, Recife, Salvador; e, mais recentemente, Informática, em Salvador. Do mesmo modo, professores de Escolas Técnicas de Segundo e Terceiro Grau em Curitiba, Salvador, Belo Horizonte, Belém, Rio Grande do Norte, e São Paulo adotaram esse método de ensino, após a passagem de Carolina pelo CENAFOR. Várias escolas particulares de primeiro grau, bem como inúmeras instituições para treinamento de crianças especiais também adotaram e continuam usando esse método. Carolina sempre ?frente cuidando para que desvios não ocorressem, para que os princípios fossem entendidos, para que novos desenvolvimentos fossem ousados. 

Em 1975 uma revista (Psicologia) foi criada por um grupo de analistas do comportamento que estudavam e trabalhavam no Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo e, embora ela fosse dirigida para um público mais geral em Psicologia, em seus 15 anos de existência cerca de 70% de seus artigos foram relatos de pesquisa em Análise do Comportamento. Em 1976 outra revista (Modificação do Comportamento) foi criada pela Associação de Modificação do Comportamento (uma sociedade científica criada alguns anos antes por iniciativa de docentes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Dedicada especificamente ?análise comportamental aplicada; essa revista circulou durante três anos e foi substituída, em 1981, por outra publicação (Cadernos de Análise do Comportamento), mais modesta do ponto de vista gráfico e dirigida a um público mais amplo. Esta última permaneceu ativa durante quatro anos. 

Um sólido curso de pós-graduação, com uma forte ênfase em Análise do Comportamento, existia na Universidade de São Paulo desde 1970. Outros foram criados, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, SP, em 1972, e na Universidade de Brasília, em 1974. Um excelente mestrado em Educação Especial passou a ser oferecido na Universidade Federal de São Carlos, SP, a partir de 1980, e um mestrado em Análise Comportamental passou a ser oferecido na Universidade Federal do Par?em 1987. Cursos de especialização em Análise do Comportamento passaram a ser oferecidos regularmente na Universidade Estadual de Londrina, PR, e na Universidade de Caxias do Sul, RS. Todos estes sob a influência direta de Carolina que liderou e/ou assessorou suas criações (exceto os dois últimos levados a cabo por ex-orientandos seus). 

Durante a ditadura militar que tomava conta do país e sob as conseqüentes restrições pessoais, políticas e econômicas impostas a todos, os analistas do comportamento voltaram-se para o ensino e para a aplicação clínica, bem como para sua organização interna. Com a volta dos militares a seus quartéis e o cancelamento das restrições xenófobas quanto a viagens para o exterior, quanto ?compra de livros estrangeiros, quanto ?vinda de professores de outros países, quanto ?importação de equipamentos científicos etc., as universidades ensaiaram renascer. 

Sob estas novas condições mudanças importantes ocorreram também na Análise do Comportamento no Brasil. Estudos em esquemas e controle aversivo foram substituídos por estudos com maior abrangência conceitual, como igualação; trabalhos com drogas deslocaram-se para estudos de toxicologia e nutrição; sujeitos infra-humanos cederam lugar a sujeitos humanos. Novas áreas de pesquisa básica emergiram: equivalência de estímulos, formação de classes, comportamento governado por regras, variabilidade comportamental, comportamento verbal, memória, transferência de funções de estímulos, efeitos de história passada, linguagem, etc.. Analistas comportamentais no Brasil hoje estudam comportamentos do dia a dia com técnicas de laboratório: leitura, escrita, formação de conceitos, aquisição de habilidades matemáticas e de intercâmbio social, instruções, etc.. O trabalho clínico se tornou menos aplicação e mais pesquisa, e passou a subsidiar o trabalho de outros profissionais de saúde como psiquiatras, médicos, enfermeiras e administradores hospitalares. O trabalho na escola cedeu lugar ao trabalho na comunidade. A pesquisa teórica cresceu enormemente, passando da análise de conceitos isolados ou revisões de área, para estudos da evolução histórica e/ou epistemológica de conceitos na obra de autores. A Associação de Modificação do Comportamento mudou seus objetivos e seu nome para Sociedade Brasileira de Análise do Comportamento mas, por razões que não cabem aqui discutir, desapareceu. Todas essas transformações foram acompanhadas de longe pelo Prof. Keller, sempre atento a nossas necessidades e abrindo seu lar para visitantes e estudantes, e de perto pela Profa. Carolina, batalhando junto a agências de fomento, criando cursos e revistas, abrindo espaço em fundações e instituições de ensino, levando-nos a uma maior integração com outras ciências, nunca patrocinando organizações excludentes, sempre insistindo em pesquisa, pesquisa e pesquisa. 

Atualmente os analistas do comportamento se encontram nas Reuniões Anuais da Sociedade Brasileira de Psicologia (onde 25% de todas as comunicações científicas apresentadas o são por esses pesquisadores), bem como nos Encontros da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (onde todos os trabalhos e comunicações são por profissionais e pesquisadores nesta área). Não existem mais revistas científicas específicas em Análise do Comportamento no Brasil, porém 20% de todos os artigos publicados em Psicologia: Teoria e Pesquisa (prestigiosa revista publicada na Universidade de Brasília) nos últimos 10 anos, foram escritos por analistas do comportamento. Na revista Temas em Psicologia, da Sociedade Brasileira de Psicologia, 26% dos artigos publicados desde sua recente criação referem-se a trabalhos nessa área. Cada vez mais um número maior de pesquisadores nessa área pública artigos em revistas internacionais específicas de área, bem como participa de eventos internacionais voltados para a Análise do Comportamento. 

As contingências introduzidas pelo Prof. Keller e mantidas por Dona Carolina continuam a frutificar. 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

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MATOS, M.A. Contingências para a análise comportamental no Brasil: Fred S. Keller. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v.12, n.2, p.107-111, 1996. [ Links ]

 

 

 

1 Versão modificada de artigo originalmente publicado em Psicologia: Teoria e Pesquisa, v.12, n.2, p.107-111, 1996.

 

  

Fonte:Psicol. USP vol.9 n.1 São Paulo 1998

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