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Vá à escola, ganhe este celular

Camila Pereira

  

Programa em Nova York chama atenção para uma discussão polêmica: até onde premiar os bons alunos

 

Quais são as chances de uma criança receber algum dinheiro no fim do mês, vales para gastar no que bem entenda ou ainda um celular com direito a crédito ilimitado – sem que essas regalias sejam custeadas pelos pais? Em geral, zero. Na cidade de Nova York, as chances são bastante altas. O fato surpreende – a explicação, mais ainda. As crianças estão ganhando tais prêmios em escolas públicas. Só as mais brilhantes e esforçadas têm direito a eles. O programa faz parte de uma nova política do governo para incentivar os alunos a estudar mais. O princípio de recompensar bons estudantes não é um conceito novo, mas até então ele se restringia, basicamente, à distribuição de medalhas. A novidade está justamente nos benefícios financeiros, sistema sobre o qual os educadores do mundo todo vêm discutindo – e, em alguns casos, começam a implantar em suas escolas. O exemplo brasileiro mais próximo disso vem de Minas Gerais, onde o governo do estado passou a conceder 3 000 reais aos estudantes de escolas públicas, sob a condição de completarem o ensino médio. O objetivo é fornecer um estímulo para que não abandonem a sala de aula para arranjar emprego. Esse programa, tal qual o de Nova York e outros nos Estados Unidos, tem um caráter experimental. Isso porque seus efeitos ainda não foram mensurados. Há, no entanto, indícios de que eles funcionam, com base na experiência. Diz a diretora Virginia Connelly, à frente de uma escola de Nova York: "Os estudantes reagem na hora a estímulos tão concretos e imediatos".

 

Celulares e "zon dollars" (moeda que, em Nova York, vale como dinheiro em lojas instaladas junto das salas de aula) causam certa polêmica entre os especialistas. Eles concordam, porém, num ponto central: é preciso resgatar a imagem positiva dos bons alunos – e premiá-los de modo tão concreto pode ser um caminho para lhes conferir algum status. No geral, os melhores estudantes são vistos como seres bitolados e desinteressantes, e não como exemplos a ser seguidos. Essa distorção foi flagrada numa recente pesquisa conduzida pela prefeitura de Nova York. A metade dos alunos de lá afirma que os mais estudiosos da turma são alvo freqüente de desrespeito justamente quando se destacam em relação aos demais. Os novos prêmios, de algum modo, já começaram a mudar esse cenário – e a vida de estudantes como a americana Ashley Pimentel, de 13 anos. A menina abarrotou a carteira com os tais "zon dollars", pela postura exemplar na escola, também recompensada, e ainda levou mais 200 dólares (estes de verdade) por sair-se bem numa maratona de provas. Resume Ashley, uma ótima aluna: "Depois que passei a receber dinheiro quando tiro uma nota alta, ninguém mais ri de mim. Eles agora querem é ser como eu".

 

No geral, a experiência revela, de fato, algum progresso nas escolas de Nova York onde tais medidas foram implantadas – mas, ainda assim, suscitam críticas por razões mais teóricas. Quem as desaprova diz, basicamente, que tornar-se alguém mais instruído e culto precisa ser uma motivação por si só e que, quando se dá dinheiro por isso, a mensagem transmitida pelas escolas é justamente a inversa. Equivaleria a pagar a um neto para cuidar de um avô doente, dizem os críticos. Tanto a educação quanto o afeto incondicional, ambos valores nobres, deveriam prescindir de qualquer estímulo de natureza financeira. Em teoria, parece razoável a muita gente. Predomina, no entanto, uma visão mais pragmática do assunto, segundo a qual os estudantes demonstram claro desinteresse pela escola – e benefícios tão palpáveis quanto um celular podem ajudar a melhorar o cenário. A psicóloga Ceres Araujo, que aprova o modelo de premiação financeira nas escolas, faz uma ressalva: "O essencial é mostrar à criança por que exatamente ela está recebendo essa recompensa".

 

Outro argumento favorável à distribuição de tais prêmios em escolas públicas diz respeito a uma questão bem mais básica: para certos alunos, o dinheiro é determinante para que eles não deixem os estudos para arranjar trabalho antes do tempo. Isso vale para muitas das escolas de Nova York e, não há dúvida, para a realidade brasileira. Em Minas Gerais, a estudante Yasmin Aleixo, de 16 anos, traduz o clima entre seus colegas, todos matriculados no 2º ano do ensino médio. Eles estão às vésperas de resgatar a primeira parcela do benefício prometido pelo governo: "Sem o dinheiro no bolso, poucos conseguiriam se formar". O programa mineiro é um avanço em relação a outros semelhantes no Brasil porque exige um bom desempenho dos estudantes em troca do dinheiro – e não apenas sua presença em sala de aula, como ocorre, por exemplo, com o Bolsa Família, do governo federal. Pela primeira vez, o foco é na qualidade do ensino. Diz o especialista Claudio de Moura Castro: "Não há dúvida de que as crianças estão precisando de um incentivo a mais para encarar os estudos. E não adianta enfrentar o problema com puritanismo". O fato é que os programas de Minas, Nova York e outros do gênero surgem num contexto em que, na educação, já se tentou de tudo – e quase nada funcionou. Diante disso, a visível animação entre os estudantes de escolas como a da americana Ashley Pimentel e a da mineira Yasmin Aleixo é um sinal de que esse pode, afinal, ser um bom caminho.

  

Fonte:Revista Veja, Editora Abril, edição 2053, ano 41, nº 12, 26 de março de 2008.

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